domingo, 22 de julho de 2012

abaixo o passou-bem!



Ao contrário do que coloquialmente se poderia pensar, bem vistas as coisas não há nada de mais sujo, repelente e nojento do que uma mão. Aliás, se pensarmos bem, até um rabinho acabado de lavar num bidé jeitoso é mais limpinho do que a mão que o lavou. A mão é, sem margem para qualquer tipo de dúvidas, a parte mais imunda e repugnante do corpo humano.

Uma mão anda sempre à solta, ao ar livre, e mexe em toda a porcaria de coisas em que as outras mãos habitualmente também mexem. Nos carrinhos de compras dos supermercados, por exemplo, ou nos varões dos autocarros, nos varões em geral, nas maçanetas das portas (com particular destaque para as dos táxis e as dos quartos de banho públicos). Uma mão mexe em tudo, anda sempre agitada, nunca está quieta. Desde criança que sabemos que até uma mão morta vai bater àquela porta. A mão mata mosquitos, carregadinhos de sangue de toda a espécie, e, com sorte, mata moscas que andaram entretidas com dejectos abjectos. Nenhuma outra parte do corpo humano mexe e remexe tanto em tanta porcaria. A mão mexe nas ementas dos restaurantes, nos jornais dobrados esquecidos ao balcão e nas revistas relidas dos consultórios médicos. Mexe até no resto do corpo, esteja melhor ou pior lavado. Mexe nos manípulos dos autoclismos. As mãos nunca estão limpas. Até para fechar a torneira que as mãos sujas abriram para serem lavadas se sujam as mãos. As mãos limpam o suor da testa e julgam-se higienizadas com um leve passar pelas calças. A mão passa-se pelo pêlo. Afaga caninos. A mão abafa a tosse, recolhe perdigotos, faz todo o género de tropelias.

As mãos estão ainda cheias de dedos, também eles repelentes, com unhas maiores ou menores que arrecadam tudo quanto não se vê e mais ainda, por vezes bem visível. Dedos que se enfiam nas campainhas, nos botões dos semáforos das passadeiras, nos narizes enquanto se aguardam os verdes, nos ouvidos em qualquer altura do dia e sabe-se lá onde mais durante a noite. Dedos que tiram remelas, macacos e até cera dos ouvidos. Que não raras vezes raspam os dentes e tiram uma lasca de bacalhau de entre eles. Nunca se sabe o que uma mão esteve a fazer e já de longe se dizia que uma mão não devia saber o que fazia a outra, particularmente quando uma delas oferecia esmolas em dinheiro, essa coisa imunda que muda de mão em mão. Ninguém pode, de boa-fé, confiar numa mão. Perco muitas vezes a luta mas peco invariavelmente no abraço da paz, inventando toda a sorte de maneiras de sem-maneiras me furtar ao acto. Para quê tocar as nossas nas palmas das mãos dos outros? Porventura lemos a sina? Seremos todos dermatologistas?

Alguém que vem para mim de mão estendida provoca-me um pânico de tal forma desmedido que mais preferiria que me apontasse uma 6.35.
Há por aí tantas campanhas, deveria fazer-se uma campanha contra o passou-bem. Eu poderia liderar a coisa mas agora já estou mais calmo.



 Vasco Lobo Xavier 

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